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O falso dilema entre fazer e pensar – Artigo

EonildoO falso dilema entre fazer e pensar 

Na oração do Angelus do domingo passado, o Papa Francisco comentando a parábola do bom samaritano, questionou mais uma vez os cristãos e os governantes das nações sobre as atitudes de indiferença diante do drama atual da imigração. Assim o Papa falou: “naqueles que podemos ajudar, devemos ver o Senhor que um dia nos julgará a partir das obras de misericórdia”. E insistiu: “é necessário praticar obras boas, não simplesmente teorizar, hipotetizar, discutir.

Hoje encontramos uma excelente relação entre as palavras do Papa com a primeira leitura (Gn 18,1-10).

Abraão oferece acolhida a três viajantes; e assim, sem se dar conta, acolhe o próprio Deus, que o recompensa com o nascimento do filho tão desejado.

De modo bem diverso as palavras do Papa parecem contradizer o Evangelho (Lc 10,38-42). Jesus se dirige a Betânia onde é acolhido por Marta e Maria. Ambas honradíssimas de recebe-Lo e preocupadas em oferecer uma digna acolhida, que porém, manifestaram de maneira diferente: Marta “se vira nos trinta” nos trabalhos domésticos; Maria se entretém a fazer-Lhe companhia. “Sentada aos pés do Senhor, escutava a sua palavra”. Marta reclama e se lamenta: “Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha a servir-te? Diz-lhe que venha me ajudar”.

É uma reclamação razoável, à primeira vista; porém, não aos olhos de Jesus, o qual aproveita para dar em ensinamento de valor perene: “Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada com muitas coisas, mas uma coisa só é necessária. Maria escolheu a parte melhor, e esta não lhe será tirada”.

Muitos entenderam esse acontecimento como uma oposição entre ação concreta – mesmo boa, e a escuta, a meditação, a oração, enfim, entre a vida ativa e a contemplativa, entre o fazer e o pensar, concluindo que Jesus privilegiasse o segundo.

Segundo a história, quando no século XVIII os governos suprimiram muitos mosteiros e confiscaram os seus bens, a motivação formalmente adotada foi que os monges ocupados somente com a oração eram pessoas inúteis, porque não exerciam função social. Mas essas decisões nasciam também de uma motivação que ainda hoje é compartilhada por muitos: O homem, dotado de razão, pode fazer o bem, também em benefício dos outros, sem a necessidade de “perder tempo” com a oração.

Esta tal confiança no homem, capaz por si mesmo de viver retamente, é declarada falsa de maneira clamorosa pelos noticiários e pela experiência. O mal dentro e ao redor de nós, não o podemos vencer sozinhos; todos temos necessidade da ajuda que somente Deus nos pode dar. E Ele nos dá quando nos colocamos à sua escuta, em sintonia com Ele através da reflexão e da oração.

Jesus não nega o valor do serviço de Marta; mas contesta o excesso de preocupação e estabelece uma hierarquia de importância. Estar em intimidade com Ele é mais importante do que fazer as coisas para Ele, ou em nome dEle.

Portanto, Jesus não contrapõe a vida ativa à contemplativa, como se orar fosse preferível ao serviço ao próximo (de resto, na casa de Betânia devia alguém, por força, preparar a comida). A chamada de atenção a Marta é de não agitar-se, a não esgotar o seu serviço no fazer material. Acolher uma pessoa não significa somente “fazer coisas” para ela, mas também oferecer-lhe a disponibilidade do próprio tempo e atenção. A vida ativa não deve ser o oposto da contemplativa, mas a sua tradução, como o próprio Jesus noutra circunstância (Lc 11,28) sintetizou: “felizes os que escutam a Palavra de Deus e a põem em prática”.

Pe. Antonio Eronildo de Oliveira

Vigário Geral Diocese de Quixadá